quinta-feira, dezembro 29, 2005

Top 15 2005 (Final)

Oi, Pessoas! Tudo bem?

Neste último post do ano, as dicas são muito especiais. Sei que nem todos os leitores deste blog curtem o gênero fantástico, mas eu não poderia deixar de mencionar algumas das (muitas) obras geniais que li este ano e que podem se enquadrar nessa denominação. Vocês entendem, né? ;)

Antes de começar, quero salientar que os dois primeiros livros, embora possam agradar a todas as idades, são adequados ao público mais novo, a partir de nove ou dez anos. Se vocês não gostarem, fica a sugestão para seus filhos, sobrinhos e alunos. Mas eu achei o máximo.

Então, com vocês, aqui vai a Seleção Merege de


Fantasia, FC e Realismo Mágico

A Sétima Torre
, série de Garth Nix. Trata-se de uma série de seis livros, publicados pela Nova Fronteira: fantasia com um toque de ficção científica e mitologia. Lembra um pouco Philip Pullman, mas sem o simbolismo cristão de A Bússola Dourada e suas seqüências. A série conta a história de Tal, um adolescente que vive num mundo dividido em níveis e iluminado por cristais de força, e que, ao sair de sua torre, descobre todo um universo de coisas, pessoas e seres que contrariam tudo em que acreditava até então. A ação e os elementos psicológicos são bem dosados e a história prende a atenção. Bem legal, dentro do gênero.

A Montanha dos Trolls, de Katherine Langrish. Uma das melhores surpresas deste ano, edição da Record. A obra é ambientada na Escandinávia medieval e conta a história de Peer (homenagem ao Peer Gynt, de Ibsen?), um menino que, ao perder o pai, vai morar com dois tios que tomam conta de um moinho. Os vizinhos mais próximos: uma simpática família de fazendeiros e um bando de trolls, uma espécie de ogros do imaginário local, sempre em disputa com os humanos por uma ou outra coisa. O realismo das descrições surpreende, e, para quem gosta de mitos e folclore escandinavo, ou mesmo de duendes em geral, é imperdível.

Medicine Road, de Charles de Lint, ilustrado por Charles Vess (de Stardust) e, infelizmente, sem tradução no Brasil. Mais para quem gosta de histórias românticas com um toque de Magia, nesse caso a xamânica (hehehe). No início dos tempos, o Coiote (leiam artigo sobre ele aqui na Estante - é só procurar na lista de posts) deu a dois animais a forma humana, por um prazo limitado, com a condição de só conservá-la se eles encontrassem um amor verdadeiro e incondicional. A garota já conseguiu, mas para o rapaz, Sam Red Dog, as coisas são um pouco mais difíceis. Será que a chegada de duas cantoras folk pode mudar tudo? Só lendo para saber!

Os Portais de Anúbis, de Tim Powers. Livro publicado pela Editora 34 na década de 80. Usando a Magia (alguns diriam tratar-se de Ciência) aprendida com os sacerdotes do Antigo Egito, um homem atravessa os portais do tempo apoderando-se dos corpos jovens e fortes de pessoas que atravessam seu caminho. Misturam-se, aqui, elementos góticos, fantásticos e esotéricos, numa trama cheia de reviravoltas e revelações. Uma leitura densa, não muito fácil, mas interessante, com cada detalhe se encaixando perfeitamente na bem-elaborada trama central.

The Famished Road, de Ben Okri. Obra-prima do realismo mágico africano, conta em primeira pessoa a história de Azaro, um menino que mantém uma estreita ligação com o mundo dos espíritos, mas que, apesar dos constantes chamados para retornar ao outro lado e de muitas dificuldades sociais e materiais, insiste em continuar vivo. Sua família - na verdade apenas os pais ignorantes, mas lutadores e freqüentemente amorosos - reflete, em seu dilaceramento, o drama pelo qual passam muitos países da África, entre fome, guerras e conflitos de interesses nos quais sempre acabam por sofrer as conseqüências. Simplesmente maravilhoso.

.....

Bom, gente... vou ficar por aqui. Apesar dos percalços, foi um prazer, como sempre, escrever os posts deste ano, e mais ainda partilhá-los com vocês. E já vou deixar uma dica do que vos espera no ano que vem: recordações e mais recordações dos meus primeiros 16 anos como leitora, ou seja, dos livros que li até os 20 anos de idade. Vai ter um pouco de tudo, de A a Z... e vai ficar bem legal. Pelo menos é o que eu acho! Mas quando começar vocês me dizem.

Agora, ao apagar das luzes de 2005, às primeiras de 2006, quero desejar a todos um ótimo reinício - de vida, de relacionamento, de luta pelos objetivos. E ano que vem já sabem... não deixem de passar por aqui, OK? ;)

Feliz Ano Novo!

Até breve!

Ana Lúcia

segunda-feira, dezembro 19, 2005

Top 15 2005 (Parte 2)

Oi, Pessoas! Tudo bem?

Fiquei muito feliz com a repercussão das primeiras dicas do Top 15. É um prazer partilhar minhas experiências com vocês... eu estou preparando uma surpresa, neste sentido, para o ano que vem. Aguardem!

Por enquanto, aproveitando o dia em casa (rodízio de folgas na BN, para compras de Natal), vou deixar aqui a segunda leva da seleção deste ano. A categoria é

Melhores Romances

Balzac e a Costureirinha Chinesa
, de Dai Sijie. Num dos programas de "reeducação" determinados por Mao Tse-Tung na China, no final da década de 60, dois jovens universitários são enviados a uma aldeia nas montanhas, onde devem aprender a viver como os camponeses. A amizade de uma moça da região, conhecida como "A Costureirinha", viria a mudar a vida de ambos. Mas a grande transformação se daria mais tarde, com a descoberta de uma mala repleta de livros proibidos (não só Balzac, mas também Zola, Flaubert, Dostoievski, entre outros), através dos quais o narrador e seus companheiros passam a conhecer uma outra realidade. Um romance no qual o livro aparece como instrumento de prazer e libertação, e, o que é importante: uma obra que ocasiona mais risos que lágrimas, sem o "peso" de outros (necessários) livros sobre a China Vermelha ou a atual.

A Bíblia Envenenada, de Bárbara Kingsolver. Tendo como pano de fundo a luta do então Congo Belga pela independência, esse livro admiravelmente escrito narra a história dos missionários (fictícios) Nathan e Orleanna Price e de suas quatro filhas, cujas vidas, crenças e propósitos se transformam em contato com a realidade da África. Em destaque: a complexidade e riqueza dos personagens, cada um dos quais reage de uma forma às mudanças com que se vê confrontado. Este livro ficará em minha estante por muitos anos.

A Quarentena, de J. M. G. Le Clézio. Em 1891, Jacques e Suzanne, um jovem casal de franceses, embarcam para as Ilhas Maurício acompanhados de Léon, o irmão ainda mais jovem de Jacques. Uma epidemia de varíola os confina, com uns poucos compatriotas e um bando de indianos "importados" para trabalhar nos canaviais, a um rochedo vulcânico isolado no meio do mar. Ali, durante o tempo de quarentena, vozes se erguem do passado para contar a história de Ananta - uma inglesa, indiana por adoção, que retornou voluntariamente à ilha após muitos anos - e para criar uma nova dimensão da vida e do futuro aos olhos de Léon. Sensível, poético e às vezes muito triste: um belo livro.

Anjos Caídos, de Tracy Chevalier. O mais recente (até onde sei) livro da autora de Moça com Brinco de Pérola conta a história de duas famílias, os Coleman e os Waterhouse, que se conhecem num cemitério londrino, um dia após a morte da Rainha Vitória. Através da amizade de suas filhas e da (secreta) cumplicidade destas com o filho do coveiro, desenvolve-se uma trama densa, rica em sutileza e complexidade, tendo como pano de fundo as mudanças - como o voto feminino - que se impõem sobre a sociedade inglesa daquele período. Muito, muito bom!

O Que Eu Amava, de Siri Hustvedt. Um livro que comprei ao acaso e me surpreendeu pela profundidade de seus personagens. Nele são narrados vinte e cinco anos de amizade entre o crítico (e narrador) Leo Hertzberg e o pintor William Wechsler: dois homens muito diferentes, mas unidos em seu amor e devoção à arte, até que duas tragédias - uma súbita e inesperada, outra uma condição que se revela ao longo do tempo - contribuem para abalar os laços criados pelos interesses em comum e amizade recíproca. Salman Rushdie gostou e recomenda. Eu também.

.....

Bom... é isso aí. Espero que gostem destas dicas!

Ao longo da semana, tentarei fazer uma visita aos "cantinhos" de vocês, mas, se não der, ficam desde já os meus votos de um excelente Natal: um tempo de alegria, celebração, reflexão e muita paz junto àqueles que amam. O Ano Novo... Bom, até lá, com certeza, vai haver mais um post por aqui!

Abraços carinhosos,

Ho ho ho a todos!

Ana Lúcia

segunda-feira, dezembro 12, 2005

Top 15 2005 (Parte 1)

Oi, Pessoas! Tudo bem?

Já nem me desculpo pelo tempo que levo sem postar e sem aparecer nos cantinhos de vocês. Aqui em casa, além do tempo escasso e da conexão ruim, são poucas as páginas que consigo abrir, e o servidor da BN resolveu seguir tardiamente o exemplo de nós outros, também servidores, mas de carne e osso. Ou seja, está em greve. Assim, passam-se dias e dias sem que eu consiga atualizar a Estante. Vamos ver se as coisas mudam no ano que vem.

Com todas as dificuldades, eu não poderia deixar de cumprir a tradição estabelecida nos anos anteriores, com o "Top 20" de dicas literárias. Este ano, no entanto, vai ser "Top 15", não porque eu tenha lido menos ou porque faltem bons livros, mas porque resolvi me limitar a três categorias. Aqui vai a primeira leva... Espero que gostem!

5 livros de não-ficção

Herdando uma Biblioteca
, de Miguel Sanches Neto. Já citei este livro aqui, no post em que contei a vocês por que havia me decidido a publicar mais uma obra independente, mas vale repetir a dica. Os ensaios de Sanches Neto - sobre livros e bibliotecas, sobre o ofício da crítica, sobre o que é ser um leitor de ficção no mundo das "informações rápidas" - são lúcidos, precisos e por vezes divertidos. Nota 10 para Miguel.

Ler, Escrever, Fazer Conta de Cabeça, de Bartolomeu Campos Queirós. Para quem gosta da literatura (dita) infantil, Bartolomeu dispensa apresentações. Para quem não conhece, esta é uma oportunidade de entrar em contato com um dos mais sensíveis autores brasileiros, através do que ele faz melhor: resgatar as lembranças de sua infância, bagagem que seria amplamente utilizada em seus (muitos e bons) livros.

A Louca da Casa, de Rosa Montero. Irreverência é a tônica dos ensaios da escritora e jornalista espanhola ao falar de seu ofício e de tudo aquilo que o rodeia. O destaque vai para as impagáveis (três, creio) diferentes versões do que teria sido seu caso com um ator famoso, mostrando que a imaginação pode, sim, reinventar e até subverter a realidade. Eu recomendo!!

Ilhas do Tempo, de Ana Maria Machado. Neste livro estão reunidos alguns textos que são, na maioria, conferências dadas pela autora no Brasil e em outros países. Em pauta, literatura "infantil" e para todas as idades, o hábito da leitura, a trajetória de Ruth Rocha (cunhada de Ana Maria, para quem não sabe) e algumas observações pertinentes sobre o que é ser um escritor no Brasil e fora dele. Vocês sabiam que as editoras americanas têm um "número padrão" de páginas e palavras adequadas a cada faixa etária, e você está "fora" se escrever um livro 20% mais longo do que isso? Bom, aqui deve ser igual, mas pelo menos não estamos sozinhos em nosso cerceamento da criatividade.

Gramática da Fantasia, de Gianni Rodari. Este é um clássico. O professor italiano fez pela escrita mais ou menos o mesmo que o francês Pennac fez pela leitura: soltou-a no meio de seus alunos e deixou acontecer. Vai daí, histórias surpreendentes, criadas por crianças que antes estavam presas a cartilhas e a redações tipo "O que você fez nas férias". Bom para pais, professores e subversores de todas as idades.

E aí? Que tal? Pois é... Como viram, quando eu não estava lendo Literatura, estava lendo sobre Literatura. De qualquer forma, mesmo para quem não trabalha na área, esses são livros muito legais, sem os tecnicismos que podem tornar aborrecida a leitura até dos temas mais interessantes.

Espero que tenham gostado destas dicas. Semana que vem, se tudo der certo, tem mais. Até lá... e boas leituras!

Abraços pra vocês,

Ana Lúcia

sexta-feira, novembro 18, 2005

Revisitando o "Labirinto"



Oi, Pessoas! Tudo bem?

Fim de ano... compromissos quase todos cumpridos... e agora vou entrando na fase de planejar as coisas para o ano que vem. Ainda não decidi se farei (mais uma) lista de "Resoluções de Ano Novo", mas que elas existem, existem. Uma delas é até mais recente do que isso: pelo meio do ano, eu tinha decidido que ia postar aqui com mais freqüência, mas uma série de circunstâncias me impediu. Vamos ver se consigo retomar o ritmo antigo, do qual eu gostava tanto.

Por falar em "antigo", recentemente comprei uma porção de DVDs de filmes datados de 15 ou 20 anos atrás. São quase todos de fantasia, e alguns deles tiveram um profundo impacto sobre a minha infância e adolescência. Tem os dois filmes do Conan (embora eu não goste do segundo), A Lenda, com Tom Cruise novinho, O Feitiço de Áquila, Excalibur, A Companhia dos Lobos, O Cristal Encantado. E tem, desde semana passada, a edição de colecionador de um dos meus favoritos: Labirinto, de 1986, com direção de Jim Henson e David Bowie no papel de Jareth, Rei dos Duendes.

Ah, como eu curti esse filme na época! Não só por causa dos duendes e da animação, mas porque a história tinha tudo a ver comigo. Para quem não sabe, trata-se de uma adolescente chamada Sarah (interpretada por Jenniffer Connelly) que vive com o pai, a madrasta e o filho de ambos, um bebê fofíssimo, do qual ela tem que cuidar de vez em quando. Sarah é sonhadora, fascinada pelo mundo da fantasia e pela figura do Rei dos Duendes, que ela conhece a partir de um livro chamado, justamente, "Labirinto". Acontece que há uma parte de Sarah que se recusa a crescer: ela não tem domínio sobre suas próprias fantasias. E morre de ciúmes do irmão, a ponto de desejar que os duendes o levem embora para sempre.

Mas, como já dizia a Morgana, das "Brumas de Avalon" (quem leu?), deve-se tomar cuidado com o que se deseja, porque pode ser que a gente consiga. Os duendes levam o bebê para o castelo de seu Rei, que fica atrás de um labirinto cheio de surpresas. E Sarah tem 13 horas para desvendar seu segredo e recuperar o irmão. Claro que ela vai ter a ajuda de alguns dos seres mágicos do Labirinto, e - naturalmente - tudo dá certo no fim. Mas foi justamente o fim o que eu gostei mais, porque, apesar de ter alcançado uma certa maturidade, Sarah não se despede para sempre dos seus amigos do mundo fantástico. Pelo contrário, ela afirma que muitas vezes precisará deles, e o filme termina com uma animada "festinha" no quarto da garota, enquanto o Rei dos Duendes, cumprida sua missão (pois isso era o que ele devia fazer: ajudá-la a crescer sem abrir mão de sua imaginação e de seus sonhos) voa para longe sob a forma de uma coruja branca.

Interpretações posteriores desse filme cavaram fundo nos significados psicológicos e afirmaram que, ao ficar com os amigos do Labirinto, já tendo negado o poder do Rei sobre ela, o que Sarah fez foi deixar no fundo do armário (do seu subconsciente) as partes de si mesma que não saberia controlar. Ela teria aceitado os "bichos" bonzinhos, amigos, ou seja, as criações da sua fantasia que podia admitir livremente, e reprimido o lado mais sombrio, inclusive a sexualidade, que transparece muito bem na cena do baile de máscaras. Essa pode ser uma leitura válida, mas para mim esse aspecto é secundário, talvez porque os "bichos bonzinhos" da minha imaginação são tantos e tão transparentes que mesmo eles eu preciso ter coragem para mostrar. Hoje, aos 36 anos, com todo um mundo de pessoas com as quais eu posso me conectar (mesmo que virtualmente), fica mais fácil expressar minha criatividade. Mas, quando eu tinha 17, não havia muito espaço para contadores de histórias. Eu não tinha ninguém com quem pudesse partilhar as minhas.

Uma outra cena do filme que me marcou muito foi quando Sarah encontra uma duende que é uma espécie de catadora e carregadora de lixo. Ela tem às costas um fardo enorme, um monte de coisas inúteis, e tenta fazer com que Sarah desista de sua busca, acumulando sobre suas costas todos os brinquedos que ela ainda guardava, zelosamente, de sua infância. Só quando reconhece o que é aquilo tudo - lixo - a moça consegue se libertar da carga inútil que a prendia ao passado: não as lembranças, não a bagagem espiritual que, como vimos, a acompanharia ao longo de sua vida adulta, manifestando-se através da imaginação, mas toda a parafernália física e (assim acredito) os resquícios de emoções negativas, como o medo e as culpas, que deviam ser deixados para trás a fim de que ela pudesse seguir em sua busca. Eu sempre penso nisso quando faço a minha famosa "limpeza de primavera".

Acho que já deu para perceber como gostei desse filme, e como fiquei feliz por ter encontrado a edição. Também por partilhar com a Luciana, que adorou a história, os duendes, e que de vez em quando leva a mão ao nariz e diz estar sentindo o cheiro do "Pântano do Fedor Eterno". Também dá para rir com algumas cenas de música e... hum... da maquiagem e das calças do David Bowie. Mas acho que ninguém se importou com isso nos anos 80.

Ei, e vocês? Já viram esse filme? E os outros que eu citei? O que acham do gênero? Pode ser entretenimento, mas muitas vezes é super bem feito, além de divertido. E, para mim, também é material de trabalho, talvez tanto quanto os livros, como pude comprovar nas palestras que andei dando recentemente. Ao explicar para estudantes da oitava série o que é ficção científica, como ninguém tivesse ouvido falar de Júlio Verne ou Asimov, não hesitei em discutir os heróis e vilões de Guerra nas Estrelas. Se a Estante não basta... vem aí, com força total, a Filmoteca Mágica de Ana! ;)

Abraços a todos,

Até a próxima!

Ana Lúcia

P. S. Em seu livro, considerado um must para roteiristas, A Jornada do Escritor, Christopher Vogler faz uma análise maravilhosa dos arquétipos contidos na série Guerra nas Estrelas. Vale a pena.

quarta-feira, novembro 02, 2005

A Biblioteca Fantástica de Wetzlar... e as nossas!

Oi, Pessoas! Tudo bem?

Sem Internet no trabalho e o tempo escasso para as mil e uma atividades em que ando me metendo, passo rapidinho por aqui para compartilhar com vocês a notícia de que a biblioteca dos meus sonhos existe, sim, e fica na Alemanha. Mais precisamente, na cidade de Wetzlar, onde funciona a única biblioteca pública da Europa especializada em Literatura Mágica: a Biblioteca Fantástica.

Tomei conhecimento da existência da Biblioteca ao receber o convite para um workshop de sua diretora, Bettina Twrsnick, acerca da experiência alemã com o incentivo ao hábito da leitura no meio escolar. A oficina aconteceu no dia 27, na Casa Rui Barbosa, e teve patrocínio (e tradução simultânea) da filial carioca do Instituto Goethe.

O site do Instituto disponibilizou o histórico e as informações sobre a Biblioteca Fantástica (que eu vou passar anos com vontade de conhecer, até ir lá um dia. Não duvidem). Da minha parte, o que tenho a relatar é que, além de me divertir com a atividade escolhida por meu grupo ("inventar" um escritor antigo, só recentemente descoberto, escrever sua biografia e um estudo sobre sua obra fictícia), a oficina me proporcionou uma excelente oportunidade para conhecer pessoas que trabalham com a leitura e/ou a narrativa. Isso sem falar na troca de idéias com a Bettina acerca da Literatura Fantástica (também considerada um "gênero menor" na Europa) e dos problemas enfrentados pelas bibliotecas na Alemanha, que são os mesmos daqui, embora num contexto bem diferente. Lá, professores e bibliotecários ganham relativamente bem e o nível de educação da população é muito mais elevado; mas a dificuldade de fazer com que não apenas crianças e jovens, mas o público em geral, se interesse pela leitura é tão grande quanto no Brasil. Nas escolas, em geral, os únicos livros valorizados são os que tratam de assuntos "práticos". E as verbas que destinam ao setor são pequenas em comparação ao investimento feito, por exemplo, na área tecnológica. Enfim... os problemas são os mesmos, só mudam de dimensões e de hemisfério.

Agora, por aqui a gente vai fazendo o que pode. Esta semana, tomou posse o novo presidente da Fundação Biblioteca Nacional, Prof. Muniz Sodré, e nossa grande expectativa é que ele procure revitalizar a Casa da Leitura, onde funciona a sede nacional do PROLER. Os cursos e oficinas que aconteciam lá estão fazendo falta. Por outro lado, a Prefeitura do Rio de Janeiro dará início, no dia 5 de novembro, a mais uma edição do Projeto Paixão de Ler, que há treze anos vem mobilizando as bibliotecas e centros culturais da cidade. A programação completa pode ser conferida aqui... e a minha participação, nos dias 7 e 10, aqui ao lado, na Agenda da Estante Mágica.

Espero vocês lá... e, por ora, me despeço. Há muito trabalho a fazer!

Abraços a todos!

Ana Lúcia

terça-feira, outubro 18, 2005

O Jogo do Equilíbrio: um trechinho pra dar gosto!

Giflet se adiantou a passos medidos, e, erguendo sua bola, fingiu fazer uma cuidadosa pontaria.

- Quem é nosso primeiro competidor? - perguntei, em tom sarcástico. - Um estudante?

- Giflet, estudante de Leis e o maior dos poetas de Pwilrie - respondeu ele. - E aquele que vai mandar para o chão você e os seus versos de pé quebrado.

- Ah! Boa sorte, jovem mestre! - repliquei, e me preparei para desviar. Giflet girou a bola acima da cabeça, três ou quatro vezes, ante a emoção do público. Por fim, atirou-a, mas tão desastradamente que nem precisei me mover. A multidão começou a rir, apontando o estudante que saía pisando duro, enquanto eu encolhia os ombros e falava como se estivesse desapontado.

- Ainda não foi dessa vez, pessoal... O próximo!

Mariotte abriu caminho para o segundo competidor, um ferreiro grandalhão que fez pontaria por muito tempo antes de atirar. Essa bola passou bem perto do meu quadril, obrigando-me a uma ligeira torção para o lado e arrancando aplausos da platéia. Agradeci e chamei o terceiro, o quarto e o quinto jogadores, cujas bolas não chegaram à altura da corda. O sexto competidor era um camponês alto e forte, e seu tiro foi tão preciso que me permitiu pegar a bola.

- Podemos ter mais um jogador! - anunciei, devolvendo-a para Andry. - Belo tiro, camarada! Obrigado!

- Mas era para derrubar você! - disse ele, e o seu desapontamento arrancou gargalhadas da multidão. A essa altura, eu já estava mais que descontraído, e comecei a brincar e a incentivar os jogadores. Mais de vinte se sucederam, artesãos, negociantes, estudantes, até uma mulher, que gritou com voz estridente antes de atirar:

- Isso é para você não se fazer mais de galo com as nossas filhas no Festival, seu safado!

- Oh-oh! - fiz eu, desviando-me facilmente. - Não sei quem são suas filhas, senhora, mas parece que foi por um triz que não ficaram sem galo!

Despejando uma torrente de impropérios, ela se afastou. Olhei triunfantemente para o próximo da fila, que se aproximava devagar da marca estipulada por Mariotte. Dentre todos os afetos e desafetos ali presentes, era a ele que eu dedicava meu espetáculo.

- Quem é o próximo? - perguntei, olhando-o nos olhos. - O nosso bom Rupert? Tem certeza de que é uma bola o que tem na mão?

- É uma bola, e vai acabar com a sua raça, bastardo sujo! - gritou ele, atirando furiosamente e às cegas. Como era de se esperar, a bola passou longe, e Rupert saiu quase correndo, sob as vaias da multidão que já se pusera francamente ao meu lado. Os próximos tiros foram ainda piores, e consegui pegar mais duas bolas, que Mariotte não demorou a trocar por moedas. Foram dois amigos que as compraram. Já não devia haver ninguém querendo me ver cair.

- O próximo! - gritei, e outra bola passou bem longe de mim e da corda. Fiz um floreio, acompanhando a trajetória, e chamei novo jogador; e foi então que, quando já não esperava mais por isso, o arremesso de um sargento da Guarda acertou em cheio a aba do meu chapéu.


......

Bom, Pessoas... Este é um trecho de "O Jogo do Equilíbrio". A narrativa é bem diferente da que usei em "O Caçador", como podem ver.

Adoraria que deixassem aqui seus comentários sobre o texto. E, como um pouquinho de propaganda não faz mal... se alguém quiser saber como o Cyprien vai sair dessa, o livro já está à venda através do meu e-mail: anamerege@ig.com.br.

Abraços a todos,

Até a próxima!

Ana Lúcia

terça-feira, outubro 04, 2005

Ana Lúcia Merege no "Encontros com a Palavra"

Oi, Pessoas! Tudo bem?

Desde Domingo estou planejando escrever sobre o primeiro lançamento do meu novo livro, O Jogo do Equilíbrio (última capa aí ao lado; já está à venda através do meu e-mail!), e também sobre a experiência de dar uma palestra com um título tão abrangente e pretensioso quanto Literatura Mágica: da Odisséia a Harry Potter. Mas, como todo autor independente, estou correndo contra o tempo para fazer o que os editores e divulgadores deveriam estar fazendo por mim, ou seja, procurando novos espaços em que possa mostrar meu trabalho. No Sábado começo novo curso, em Novembro há três lançamentos marcados e... bom... vocês entendem, né?

Assim, deixo-os com a matéria do site oficial do Encontros com a Palavra, o evento patrocinado pela Prefeitura de Niterói em cujo âmbito se deu a minha palestra. Quando puder, editarei este post ou farei um outro contando minhas impressões, e talvez coloque mais uma ou duas fotos. Por enquanto, adianto que, apesar de ter um público reduzido (mas também, quem sai de casa às 4 da tarde, num Sábado ensolarado, para ouvir uma completa desconhecida falar de Literatura Fantástica?), fiquei muito feliz com a atenção recebida, e achei que essa primeira vez foi um bom “termômetro” para outras edições da palestra. Quem sabe até um curso completo de Literatura Mágica no futuro...?

A matéria está aqui . Chamo a atenção apenas para uma pequena confusão da redatora sobre o meu conceito acerca de Contos de Fadas: eles podem ser autorais, mas em geral não o são. Fora isso, acho que vocês podem ter uma idéia, mesmo em termos gerais, daquilo que falei e de como estava o ambiente com minha platéia pequena, porém seleta.

Abraços a todos!

Até breve!

Ana Lúcia

quinta-feira, setembro 22, 2005

A Mulher que (por enquanto não) Matou o Peixe

Oi, Pessoas! Tudo bem?

Livro publicado, lançamentos marcados, Castelo das Águias na reta final e... eis que de repente surgiu alguém novo em minha vida. Ou melhor, em nossas vidas. Pois a chegada de um bichinho de estimação envolve toda a família, especialmente uma como a nossa, afetiva e dada a cuidados e preocupações.

É preciso que vocês saibam de antemão que não sou muito chegada a animais. Não que não goste deles - pelo contrário, quem lê este blog e os meus livros sabe que sou fascinada por lobos, coiotes e águias, e até por alguns animais domésticos, como os gatos - mas, por opção, prefiro não ter bichos em casa, por várias razões que vão da falta de espaço até a falta de tempo e paciência para cuidar deles. Minhas sobrinhas, que são todas loucas por bichos, sempre me provocaram dizendo que um dia a Luciana iria querer ter um, e a resposta da Tia Ana sempre era a mesma: "O máximo que eu vou permitir é que ela tenha um aquário"!

Pois é. As palavras têm força.

Na sexta-feira passada, fui buscar Luciana na creche, e eis que ela vem ao meu encontro carregando um saco plástico no qual havia um peixinho preto, nadando, desesperado (pois devia estar estressadíssimo), numa água meio amarelada. Obra e graça da mãe de um menino de outra turma que, em vez do famoso "saquinho surpresa" de aniversário, resolveu agraciar os amigos do filho com seres vivos, sem perguntar se os pais concordariam... e ainda de uma das professoras, que decidiu dar os peixes que tinham sobrado àquelas crianças que, na sua opinião, cuidariam melhor deles. E quem foi a primeira a ser contemplada? Ora... Luciana, é claro!

E, é claro, nem pensar em frustrar a expectativa naqueles olhinhos, recusando-me a cuidar do peixe. Levei-o para casa, com todo cuidado - imaginem se o saquinho caísse no chão! - e assim que cheguei recebi a primeira, e preciosa, informação do porteiro: o peixe não podia ser colocado direto na água limpa, mesmo filtrada. Leiga como sou e temendo fazer alguma bobagem, liguei para minha irmã, que sugeriu um vidro de maionese ("tampado com uma peneira, senão o peixe pula"!) e a manutenção da água em que o bichinho tinha vindo, até o dia seguinte. Foi o que fiz, e ainda joguei umas migalhinhas de pão na água, pensando, seja o que Deus quiser... e preparada para enfrentar uma das duas situações no dia seguinte: Luciana inconsolável ou a compra do nosso primeiro aquário.

E, felizmente, deu a opção dois. No dia seguinte, lá estávamos todos, João, Lulu e eu, na pet shop mais próxima, procurando não só uma casa mas orientação sobre como cuidar do nosso peixinho. Foi quando ficamos sabendo a espécie dele (molinésia) e também que não podia ficar num aquário pequeno demais, tinha que ser um de tamanho médio, onde pudéssemos colocar uma bomba de oxigenação. Adquirimos o aquário, a bomba e um potinho de comida, além de um preparado para tirar o cloro da água, e... bom, para resumir, duas horas e meia depois lá estava nosso peixinho, nadando para lá e para cá no seu universo que, por enquanto, se resume a quatro paredes de vidro.

Mas isso não vai continuar assim por muito tempo. Ao longo desta semana, orientados em parte por um folheto da pet shop, em parte por um amigo do João que cria e conhece bem peixes, vimos observando o comportamento do nosso e tomando algumas decisões para o futuro. Já resolvemos que vamos comprar pedras para o fundo do aquário, e plantas, e talvez um aquário de "quarentena" para quando precisarmos trocar a água. Naturalmente compraremos outros peixes. Isso porque a nossa "menina" (segundo o amigo do João, a nadadeira inferior longa mostra que se trata de um peixe fêmea) ficará muito neurótica se continuar sozinha no aquário vazio... e porque, como diz o João, não vamos ter o ônus sem o bônus. Já que temos que dar comida, limpar o aquário e tudo mais, por que não nos deliciar com as piruetas de cinco ou seis peixinhos em vez de apenas um?

E por falar em Pirueta, esse é um bom nome para um dos próximos peixes. Quando o primeiro chegou, Luciana comentou que um amigo dela tem um passarinho chamado Peteleco, e esse ficou sendo também o nome do peixinho preto, agora mudado para Peteleca, sem apelação, por ser uma "menina". Já o peixe da Clarissa de Veríssimo era Pirolito (com o mesmo); estou pensando em sugerir esse nome para ficar um trio bem homogêneo. Peteleca, Pirueta, Pirolito... e quem mais? Só Netuno sabe.

Só é preciso ter cuidado para não errar a influência literária, de Clarissa para Clarice. Sou uma criatura estabanada que vive derrubando as coisas e batendo com o joelho nas mesas, e além de tudo sou distraída. Mas não quero carregar o karma de três (até onde eu sei) das mães dos amigos da Luciana, que não compraram o aquário a tempo e mataram os peixes.

Bom mergulho a todos!

Até a próxima!

Ana Lúcia

......

P. S. Para quem sentiu cheiro de livro no ar, eis as sugestões:

Clarissa, de Érico Veríssimo, reeditado pela Cia. das Letras (ou em várias edições facilmente encontráveis em livrarias e sebos).

A Mulher que Matou os Peixes, de Clarice Lispector, na 14a. edição pela Rocco.

Ana

sexta-feira, setembro 09, 2005

Júlio Verne : Histórias que Inspiraram o Futuro



Oi, Pessoas! Tudo bem?

O título deste post é o mesmo da minha última publicação, que foi artigo de capa na Ciência Hoje das Crianças do mês de Agosto. Eu esperava deixar aqui apenas o link, mas desta vez eles não disponibilizaram o texto na íntegra... Então, nada mais justo que eu o reproduza. Como poderia um autor como Verne ficar fora das prateleiras de uma Estante Mágica? ;)

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Histórias que Inspiraram o Futuro

Como você chamaria um escritor que, em suas histórias, fala sobre máquinas, robôs e outras tecnologias que só viriam a ser criadas muitos anos mais tarde? Mágico? Vidente? Viajante do tempo? Ou apenas alguém que possui um grande conhecimento científico... e uma curiosidade ainda maior?

Seja como for, saiba que essa pessoa realmente existiu. Seu nome: Júlio Verne, considerado um dos maiores autores de ficção científica de todos os tempos.

Júlio Verne nasceu em 1828, na cidade de Nantes (França), e começou a escrever na época em que estudava Direito em Paris. Seu primeiro conto de ficção científica, "Uma Viagem em Balão", foi escrito em 1851, sob a influência de outro grande autor do gênero, Edgar Allan Poe. A partir daí, Verne não parou mais, aprofundando-se em pesquisas para dar credibilidade às teorias científicas apresentadas em suas obras.

Em 1863, em parceria com o editor Pierre Hetzel, Júlio Verne começou a escrever uma série de histórias de aventura chamada "Viagens Extraordinárias", que se iniciou com "Cinco Semanas em Balão" e incluiu, entre vários outros livros, "Viagem ao Centro da Terra" (1864), "20.000 Léguas Submarinas" (1869-70) e "Volta ao Mundo em 80 Dias" (1873). Essas obras logo conquistaram leitores em todo o mundo, entre eles o escritor brasileiro Euclides da Cunha, que costumava enviar os livros de Verne a seu filho, aluno de um colégio interno... com a condição de que só os lesse no recreio!

A popularidade era merecida, pois, além de narrativas empolgantes, com heróis inesquecíveis, tais como o misterioso Capitão Nemo (de 20.000 Léguas Submarinas), Verne oferecia ao leitor visões e idéias fascinantes sobre o futuro. No que se refere à tecnologia, suas suposições se baseavam em conhecimentos tão sólidos que algumas das "invenções" citadas em seus livros acabaram por ser de fato, desenvolvidas por cientistas décadas mais tarde.

Verne é especialmente conhecido por antecipar alguns dos princípios que deram origem aos modernos submarinos. Na verdade, as primeiras referências a um barco capaz de se deslocar sob a água datam de 1580, e muitas experiências foram feitas desde então, sendo uma delas a de Robert Fulton em 1800. O engenho, que fracassou em sua missão (afundar navios franceses), se chamava "Nautilus", e este foi também o nome dado por Júlio Verne ao submarino comandado pelo Capitão Nemo. Ao explicar seu funcionamento, Verne demonstrou ter feito cálculos rigorosamente corretos, e sua obra foi consultada por vários dos cientistas e engenheiros que, mais tarde, trabalharam na construção de submarinos. Por isso, mais de um modelo foi batizado como "Nautilus", inclusive o primeiro submarino a funcionar à base de energia nuclear, em 1954.

Além do submarino, Júlio Verne descreveu um equipamento de mergulho mais avançado do que o utilizado na época, o qual também serviu de ponto de partida para futuras experiências. No entanto, o autor não se limitou a explorar o fundo do mar ou o centro da Terra, mas se aventurou em um lugar ainda mais distante e, no século XIX, totalmente inatingível: o espaço sideral.

Em seu livro "Da Terra à Lua" (1865) Verne cometeu alguns deslizes no campo científico - o canhão utilizado por seu personagem para se lançar em órbita, por exemplo, teria provocado a morte dos passageiros, devido à aceleração inicial - mas, por outro lado, previu a existência de foguetes e espaçonaves e até mesmo a tentativa de comunicação com seres extraterrestres. Nesse livro, um cientista alemão descreve seu projeto de criar um alfabeto comum a homens e a selenitas (habitantes da Lua), o qual se basearia em figuras geométricas. No entanto, o projeto não é posto em prática, e Verne conclui dizendo que a comunicação com o espaço sideral caberia, no futuro, aos norte-americanos. A "profecia" acertou em cheio desta vez, pois o primeiro projeto destinado à busca de vida inteligente em outros planetas foi conduzido por um astrônomo americano, Frank Drake, em 1960. Até agora, não se tem provas de que algo tenha sido encontrado, mas no futuro... quem sabe?

E por falar em futuro, um dos mais interessantes contos de Júlio Verne se passa cem anos após a data em que foi escrito. Seu título já diz tudo: "No Ano de 2889". Nessa obra, escrita a partir de uma história de seu filho Michel, Verne põe a imaginação para funcionar, descrevendo tecnologias surpreendentemente parecidas com as que temos hoje, tais como a televisão e o videofone. Dentre as que ainda estão por surgir, ou ao menos ser aperfeiçoadas, uma das mais interessantes é a "máquina de roupas personalizadas", que fabrica e ajusta as roupas de acordo com as pessoas que irão vesti-las. A idéia, que vem sendo desenvolvida por cientistas industriais, foi utilizada no segundo filme da conhecida série "De Volta para o Futuro" (1985-1990). Já no terceiro filme, o cientista vivido por Christopher Lloyd encontra seu grande amor a partir de um interesse comum pelas obras de... Júlio Verne!

Apesar de seu entusiasmo com os avanços cada vez maiores da Ciência, Verne estava atento às questões do seu tempo e aos problemas que podiam surgir, a curto e a longo prazo, para a Terra e para toda a humanidade. Temas como o desejo de liberdade de alguns povos, o colonialismo, o capitalismo e as guerras entre nações aparecem em várias de suas obras, principalmente as escritas após 1900. No conto "O Eterno Adão" (publicado em 1910 por Michel Verne), um historiador do futuro descobre que a civilização do século XX foi destruída por abalos geológicos, enquanto em "O Senhor do Mundo" (1904) um grande inventor se deixa dominar pelo desejo de poder. As indagações surgem até mesmo nos livros onde predomina a aventura: em "20.000 Léguas Submarinas", o Capitão Nemo se mostra descontente com os rumos tomados pela civilização, da qual escolhe se isolar, vivendo com sua tripulação a bordo do "Nautilus".

Pensador, cientista e acima de tudo um excelente escritor, Júlio Verne morreu em 1905, há exatos cem anos, tendo publicado mais de 60 romances, além de contos, ensaios e peças de teatro. Nem todos são conhecidos do grande público, mas alguns fazem parte da lista dos "livros de cabeceira" de leitores de várias gerações. Isso porque, embora tenham sido escritos há muitos anos, eles têm a principal qualidade que torna um livro imortal: são capazes de fazer sonhar as pessoas que os lêem. E os sonhos não têm idade... Vocês concordam?

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Textos que entraram em boxes

Uma Viagem Extraordinária... no Brasil!

Além de expedições ao interior da Terra, ao espaço sideral e ao fundo do mar, as obras de Júlio Verne proporcionam ao leitor uma verdadeira "volta ao mundo". Não só no livro que tem esse título, mas em vários outros, como "Miguel Strogoff" (1876), que se passa na Rússia dos czares, e "Viagem ao Centro da Terra", em que os protagonistas iniciam sua jornada descendo pela cratera de um vulcão na Islândia. Com tantos destinos internacionais, o Brasil não poderia ficar de fora: em seu livro "A Jangada" (1881), Júlio Verne narra uma viagem ao Rio Amazonas a bordo de uma embarcação que ele descreve como "um grande trem de madeira". O livro foi relançado no Brasil em 2003.

Júlio Verne no Cinema

Muitos dos livros de Júlio Verne foram transformados em filmes, séries e até desenhos animados. O primeiro filme a se inspirar em suas obras foi "Viagem à Lua", de Georges Meliès (1902). Também são famosas a versão dos Estúdios Disney de "20.000 Léguas Submarinas" (1954), que ganhou o Oscar de efeitos especiais com uma lula mecânica; a de Michael Anderson de "Volta ao Mundo em 80 Dias" (1956), estrelada por David Niven e Cantinflas; e a do diretor de Hollywood Irwin Allen de "Cinco Semanas em Balão" (1962).

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E aí, o que acharam? Legal, não é? Espero que o público da revista também tenha gostado. Se não... de qualquer forma, posso afirmar que foi pesquisado com seriedade e escrito com muito carinho.

Esse mesmo carinho com que eu desejo, a todos,

Bom final de semana!

Abraços pra vocês,

Ana Lúcia

domingo, setembro 04, 2005

Limpeza de Primavera

If there’s a bustle in your hedgerow
Don’t be alarmed now,
It’s just a spring clean for the may queen.

(Page/Plant)


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Pessoas Queridas,

Pois é, entrou Setembro, a boa nova ainda não está nos campos, mas eu estou fazendo a semeadura que é possível. O Jogo do Equilíbrio já está na Fábrica do Livro, os lançamentos marcados (o do Rio falta confirmar, mas será durante o "Paixão de Ler", em Novembro); tenho feito novos contatos para cursos e palestras e prosseguido, firme e forte, na escrita do Castelo das Águias. Se tudo que planejo vai dar certo, não sei, mas acreditem: não será por eu ter deixado de batalhar!

No dia primeiro do mês eu fiz algo que gosto de fazer a cada início de estação: uma arrumação nas gavetas da minha mesa da Divisão de Manuscritos. Pode parecer exagero, mas, com as restrições à saída de material escrito (preciso da autorização da coordenadora para isso), as revistas que levo para ler ou consultar, os livros que me enviam para o trabalho, os textos e desenhos que rabisco nas horas vagas vão se acumulando, juntamente com todo tipo de quinquilharia. Por isso, de tempos em tempos, quando começo a me sentir bloqueada pela tralha, eu faço uma limpeza em regra... que vale a pena, pois sempre acabo descobrindo coisas de que já havia me esquecido.

Pra vocês terem uma idéia, vejam o que achei desta vez:

- Um par de tênis, estrategicamente guardados para quando chegasse com os pés molhados;
- Os dois primeiros números da revista Fantastik (mas por que parou?)
- Um desenho (primário, obviamente) do corpo docente da Escola Hogwarts;
- Miniaturas de um mago, um gnomo, o Clopin do desenho da Disney e o Coiote;
- Uma foto da antiga diretoria da Associação de Funcionários da BN;
- Uma pasta de dentes sem validade desde 2003 (essa escapou a limpezas anteriores);
- Uma fita K7 com as músicas do LP Mirrors, de Sally Oldfield (irmã do Mike);
- Um disquete com a primeira versão de alguns dos meus contos;
- Um rolo de durex (moeda forte de troca na Divisão de Manuscritos);
- 27 cadernos em branco, dos mais variados tamanhos (não, não estou exagerando);
- Uma caixa contendo fichas de livros da Divisão, há muito passadas para o computador e
- finalmente, três poemas inéditos, dos quais ofereço a vocês o que parece menos pior.

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De Histórias e Poções

Certas histórias saem prontas,
de estalo,
como champanhe no gargalo.

Outras precisam do seu tempo de cozimento.
Roteiro.
Fermento.

Mas há histórias
que são como poção.
Até que a mágica se faça,
se ocultam,
decantam
e esperam
no fundo do caldeirão.
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Abraços a todos,

Esperemos a Primavera!

Ana Lúcia

terça-feira, agosto 23, 2005

Ainda Sobre Poesia... e uma da Lulu!

Pessoas,

Antes de mais nada, muito obrigada pela atenção que deram ao meu poema. Estou há mais de trinta anos rasgando papel - fui implacável com minhas primeiras histórias, isso sem falar das duas ou três mil páginas de rascunhos - mas os poemas copiados num determinado caderno, esses ficam e ficarão para sempre. Tem coisas que não dá para jogar fora, mesmo que acabem fechadas na gaveta. E, mesmo que a gente imagine que esse é o destino delas, tem coisas que não dá para deixar de escrever.

Eu tenho me reaproximado da poesia por vários caminhos. Domingo passado estive numa reunião de escritores e, como várias das pessoas presentes, me dispus a dizer alguma coisa ao microfone. Minha prima, Beatriz Chacon - ainda falarei dessa mulher gentil e poetisa sensível - sugeriu que falasse um pouco sobre contos de fadas, mas eu não queria "palestrar", nem havia tempo para contar uma história... então, me decidi por um poema, O Bardo da Aldeia, que vocês, se quiserem conhecer, podem encontrar na minha lista de posts. As pessoas gostaram (bom, pelo menos não jogaram ovos!) e Beatriz brincou comigo: "Você então também escreve poesia... estava escondendo o jogo"!

Foi a deixa para explicar a ela que realmente trabalhava mais no campo da prosa, mas que tinha guardado alguns poemas antigos e que, de vez em quando, ainda aparecia um ou outro que dava para aproveitar. Beatriz me aconselhou a não jogar nada fora, mas contestou a oposição que eu estava estabelecendo: pois é tão tênue, às vezes, a fronteira entre a prosa e a poesia!

Não sei se isso é meu caso, mas muitas vezes é verdade. Há textos, mesmo em prosa, que têm uma música intrínseca, um ritmo que diverge da narrativa e os transforma, inadvertidamente ou não, em poesia. Comigo o que acontece muito é o contrário: eu começo a escrever algo que parece ser um poema e acabo contando uma história, como o Ana e os Lobos tão bem comentados pela Taís e pelo Milton (lista de posts mais uma vez, please). De qualquer forma, estou feliz, porque seja em prosa ou em poesia, falada ou escrita, tenho conseguido me expressar. E as respostas de quem me lê e/ou me ouve têm sido as mais gratificantes.

E, falando de prosa e poesia, ontem a Luciana me fez uma confidência que pertence a esses campos. Ela me disse, quase exatamente, o seguinte:

Mamãe,
antes de dormir,
tem uma coisa que eu preciso te contar.
Sabe quando eu faço bagunça na creche,
e um amigo não faz,
e a tia vem e briga comigo?
Eu fico lá pensando e eu penso
que aí eu não queria ser eu.
Eu queria ser o amigo.


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O que acham? Filha de peixe mesmo, em palavras e sentimentos... não é verdade? ;)

Abraços para vocês,

Até a próxima!

Ana Lúcia

quarta-feira, agosto 17, 2005

A Cor do Horizonte : um velho poema perdido

Nunca mais coneguirei escrever o tal poema,
a tal decalogia; nunca mais
ouvireis de mim as crônicas,
as estórias da História distante,
das terras mágicas, dos povos mágicos,
do ouro sob as garras dos dragões.

Nunca mais terei a inocência necessária,
nunca mais
A saga dos heróis de olhos brilhantes,
dos talismãs forjados nas estrelas, dos magos e poetas como eu fui.

Pois nunca mais saberei ser poeta.
Os poetas são livres, e eu tenho um lugar no mundo,
um lugar (entre os dentes)
ao Sol (da roda do mundo).

Tracei uma rota para o que é visível,
E assim o meu caminho se perdeu.
Ali onde se define a cor do horizonte
É o fim do arco-íris.

(1994)


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Pessoas,

Por favor, não se assustem. Isso não é o fim do blog, nem um comunicado de desistência de todos os meus sonhos ou da carreira de escritora!

Como a data embaixo mostra, A Cor do Horizonte é um poema que eu escrevi em 1994, quando estava desestimulada de todo no campo da ficção. Depois disso, já tive outros "bloqueios de escritor", mas não sou mais tão criança a ponto de dizer coisas como essas. Escrever e contar histórias é uma parte fundamental da minha vida e, mesmo que às vezes me faltem idéias ou inspiração, ou que eu esteja voltada para outros lados, sempre acabo voltando ao meu ofício.

Assim, entre o "fim do arco-íris" e o começo desta nova fase, mais de mil páginas foram escritas, e muitas ainda esperam seu momento de brotar. No dia 25 de Julho, Dia do Escritor (se foi um acaso, foi feliz!), comecei meu novo livro, cujo título provisório é O Castelo das Águias, e que caminha firme e forte para o seu décimo capítulo. E sabem o que é muito legal? Os protagonistas, que são adolescentes, escrevem canções e poemas... e eu vou usar os textos do meu velho caderno de poesias, que escrevi entre os 13 anos (início da fase ocultista) até o momento em que conheci o João, quando deixei de ser poeta porque passei a ser feliz.

Mas a prosa ficou... Vamos compartilhá-la!

Abraços a todos,

Até a próxima!

Ana Lúcia

quarta-feira, agosto 03, 2005

Entrevista com a Maluquete

Pessoas queridas,

Procurando a atualização da Ciência Hoje das Crianças na rede, vejam o que achei sobre uma certa escritora ...

Confiram e voltem para me dizer o que acharam dela! ;)

Abraços,

Até breve!!

Ana Lúcia

segunda-feira, julho 18, 2005

De Volta à Selva!

Pensando bem, não dá para dizer que foi inesperado. Uma greve, mesmo quando dura cem dias, tem seu momento de acabar, e isso pode ser literalmente a qualquer momento. No entanto, justamente por ter demorado tanto, e por eu já ter me acostumado a uma rotina livre de compromissos profissionais (exceto os cursos que dou em paralelo), confesso que senti um toque de surrealidade na voz do meu pai, quando, na quinta-feira passada, ele respondeu ao meu "Alô" com um efusivo "Oba! Até que enfim! Vocês vão voltar pra Biblioteca, né?"

Neste ponto, é preciso que eu confesse que não estava a par dos acontecimentos. Ao contrário da greve anterior, eu tinha parado de freqüentar as assembléias e até mesmo de ler os jornais, que, aliás, raramente concediam algumas linhas à brava luta dos funcionários do Ministério da Cultura. Meu pai, por sua vez, soube do fim da greve pela televisão, que eu também não assisto, até porque o único canal que tem audiência lá em casa, até as 9 da noite, é o Discovery Kids. Assim, o retorno ao trabalho acabou mesmo me pegando de surpresa... e com ele, além da natural readaptação e retomada das atividades interrompidas, veio uma série de mea culpas relativas à forma como aproveitei o tempo.

Atualizando a agenda, dá para ver que não fiquei em completo ócio. Atualizei apostilas, dei e marquei cursos e palestras, revisei o livro que vai ser lançado em Setembro, isso sem falar em todos os livros e revistas que li. Mas a insatisfação divina, essa sensação de que por mais que eu faça sempre podia ter feito mais, já começou a deitar suas raízes.

E aí eu começo a me censurar. Por exemplo: escrever fan fiction do Harry Potter é legal, mas por que eu ficava tantas horas discutindo as histórias com os outros membros do grupo? E por que não tentei retomar as histórias do meu próprio universo? Tenho tantos livros teóricos sobre Literatura, Fantasy e Contos de Fadas para fichar, por que não o fiz? Por que não divulguei mais os cursos que estavam marcados, nem saí em busca de mais espaços onde pudesse mostrar meu trabalho?

Todas essas foram indagações que surgiram nesses primeiros dias. Mas agora, com a volta à BN, meu tempo acabou ficando tanto mais curto quanto mais organizado, e, apesar de eu ter que enfrentar um problema muito sério, para quem divulga seu trabalho através de blog - os computadores da Biblioteca estão queimados -, sinto que de alguma forma conseguirei resultados melhores do que os alcançados nesse período de limbo profissional.

Assim, estou de volta à selva. Por enquanto sem poder fazer visitas, pois não tenho tempo para ir a lans, mas motivada para reativar a Estante Mágica. Sinto que ainda tenho muito a dizer e que este é um canal de comunicação que não quero, não devo perder, apesar de todas as dificuldades. Agradeço a quem continua passando por aqui e farei de tudo para manter e aumentar nosso círculo, pois nada me dá mais prazer do que compartilhar conhecimentos, histórias e... por que não dizer? a amizade de todos vocês.

Até a próxima! Em breve, espero...

Com carinho,

Ana Lúcia

segunda-feira, junho 20, 2005

Fadas, Bichos e Bons Amigos... em Bom Jesus!

Oi, Pessoas! Tudo bem?

Mais uma longa ausência. E mais um longo tempo sem visitas. Chato...! Mas, como eu já disse, isso se deve principalmente à greve, que me deixou sem possibilidade de ler e comentar os blogs amigos e que, de certa forma, me "enclausurou" um pouco, aqui com os meus alfarrábios. Também uma certa falta de inspiração e, vamos admitir, uma preguicinha que não dá para espantar... Quem de nós não tem um pouquinho de Macunaíma?

Agora, este fim de semana eu fiz de tudo, menos descansar. E olhem que fui para um lugar muito bom para isso: Bom Jesus de Itabapoana, uma cidade de cerca de 40.000 habitantes no Norte Fluminense. Lá vivem dois amigos muito queridos, a Paula e o Alex, e também um animador cultural digno desse nome, Pedro Salim Júnior, cujas crônicas vocês podem conferir aqui. Através da Paula, a quem eu havia consultado sobre a possibilidade de dar um curso sobre os contos de fadas em Bom Jesus, cheguei até o Pedro, que se interessou e levou à idéia à Coordenadoria de Ensino da região. Um CIEP de Bom Jesus cedeu o espaço, as escolas de vários distritos foram convidadas e, por fim, realizamos o curso, no último dia 18. E... que curso!

Até hoje, felizmente, os responsáveis por todos os lugares em que dei aulas, fiz palestras ou lançamentos me receberam muito bem, mas o pessoal de Bom Jesus se superou. Na biblioteca onde aconteceu o evento, além de café e biscoitinhos, havia música antiga nos intervalos... e uma decoração especial, com o meu nome e o título do curso inscrita em cartolinas coloridas, recortadas como brasões medievais! Já pensaram que barato?

Quanto ao número de alunos, uma ótima surpresa. No Rio costumo ter 10, 12 pessoas inscritas em cada edição do curso (mais que isso só na Casa da Leitura), mas em Bom Jesus foram 35, vindas especialmente de outros distritos e até municípios, como Itaperuna, para saber mais sobre contos de fadas. Segundo elas, a oferta de cursos e oficinas desse tipo é muito pequena por lá, por isso todos se inscrevem quando têm chance. É... Acho que vou mesmo investir naquela minha idéia de buscar espaços no interior, ainda mais quando tiver a sorte de contar com um organizador como o Pedro e com a hospitalidade de amigos como o Alex e a Paula. Amantes de animais, eles acolhem todo bichinho que aparece por lá, e acolheram a gente também, mesmo sabendo que os cães Boris e Brutus, o coelho Tambor e os cinco gatos não teriam sossego nas "garras"da Luciana. E, com as mil e uma coisas que tinham a fazer, a Paula ainda achou tempo para ir conosco a uma mata próxima, para que a Lulu visse mais uma vez os macaquinhos-prego que moram lá. Realmente... foi um fim de semana animal!

E agora... Agora, de volta a Nicty City e à greve. Realmente, não sei quando vai terminar, nem se, quando finalmente voltarmos ao trabalho, algo terá mudado. Mas uma coisa eu garanto: não estive parada todo esse tempo, nem pretendo ficar. Afinal, se eu passasse todo esse período sem BN vendo a Sessão da Tarde, como alguns de meus colegas disseram que fariam, o que seria da Literatura nacional?

Abraços a todos,

Até a próxima!

Ana Lúcia

segunda-feira, junho 06, 2005

Mais um Livro Chegando... !

Oi, Pessoas! Tudo bem?

Entrando no terceiro mês da greve, já tendo ido (ou levado Luciana) a todas as revisões médicas pendentes e com a obra no escritório em andamento, ainda assim tenho a felicidade de constatar que minha rotina tem menos a ver com ociosidade do que com um período muito produtivo, mas ao mesmo tempo dedicado a minhas realizações pessoais. Uma espécie de ano sabático, eu diria, embora para um ano ainda faltem quase dez meses. Pois a verdade é que, mesmo com horas de sobra para ver os filmes que desejar ou ir tomar um cappuccino, minhas atividades como escritora não pararam, e as coisas felizmente continuam a acontecer. Várias edições de meus cursos estão programadas, um artigo para a Ciência Hoje das Crianças está em andamento e minha ficção... Bom, essa é uma notícia que guardo para mais tarde!

No inventário desses dias de greve - acho que já deu para notar que mantenho um diário dela - contabilizei 33 livros lidos, alguns dos quais já foram citados aqui (e recomendados a meus alunos e às comunidades de leitores do Orkut, quando este acha por bem permitir que a gente escreva). Agora, quero citar rapidamente mais um: Herdando uma Biblioteca, do paranaense Miguel Sanches Neto, que conheci primeiro através do livro de contos Hóspede Secreto e que só agora soube ser também professor e crítico literário.

Não sei se já disse a vocês, mas, ao mesmo tempo em que sou uma voraz devoradora de resenhas, tenho muita desconfiança de críticos, em especial aqueles que fazem juízos de valor, como Harold Bloom (sim, ele faz algumas análises interessantes, mas é arrogante e preconceituoso, inclusive quanto a livros que admite não ter lido. E além disso eu detesto cânones). Sanches Neto, entretanto, faz uma admirável mea culpa de sua profissão na crônica Teoria da Amizade, em que relata sua reação diante do livro "ruim, que qualquer adolescente poderia ter escrito" e cujo esperançoso autor é seu amigo de infância.

Os amigos da gente não deveriam escrever livros. Seria mais fácil para o crítico não ter amigos escritores. Os livros deveriam ser escritos apenas por nossos inimigos. Se um destes publica um livro ruim, dá motivo para o crítico extravasar sua maldade e suas frustrações (...). Se o livro do inimigo for bom, mais fácil ainda. É a chance de provar da humildade e elogiar a obra com gordos e sibilantes adjetivos. Nossa consciência fica em paz e saímos do episódio como uma pessoa extremamente compreensiva, sem rancores.

No entanto, o amigo de Sanches Neto não apenas escreve um livro ruim como pede sua apreciação, confiando tanto em seu próprio talento (eu entendo, pobre criatura... Somos tantos autores órfãos à espera de um afago!) quanto na amizade de infância que, ele crê, poderá lhe abrir as portas do sucesso literário. O crítico, então, refaz o trajeto percorrido por sua consciência, que só o deixou em paz quando, finalmente, ele enviou ao jornal uma apreciação honesta e, portanto, negativa da obra. Até o dia, é claro, em que

(...) o texto saiu, ilustrado com a foto enviada ao editor. Ele sorria de uma maneira confiante, como no tempo em que éramos crianças.

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Pois é, pessoas. Hipotético ou não (pois ele pode ser uma síntese de vários de nós, autores iniciantes e canhestros, para não dizer iludidos), eu me identifiquei com o amigo de Sanches Neto, mas entendi a posição do próprio crítico e me solidarizei com ele. Também achei vários pontos de contato em outras crônicas, que falam de amor aos livros, da mania de freqüentar sebos, da importância do espaço reservado aos livros em casa e (estou com um pouco de vergonha, mas vá lá) da preferência por leituras de ficção ou de assuntos culturais em detrimento do que se pode chamar notícias da atualidade. Só recuso o rótulo de "alienada", que Sanches Neto atribui a si mesmo. Aí também não... Eu só demoro um pouquinho para fazer a atualização dos dados! ;)

Mas o que me levou a falar sobre Herdando uma Biblioteca, além de fazer a recomendação do livro, foi o depoimento do autor em uma outra crônica, chamada Lendo em Trânsito. Nela, Sanches Neto não está no papel de crítico, mas no de escritor, e escritor iniciante, que, tendo apanhado um ônibus para ir encaminhar seu livro aos jornais, emprestou um exemplar a um passageiro. 25 minutos depois, o rapaz terminou de lê-lo (tratava-se de um livro de poesia), devolveu a obra e disse: gostei. O ônibus parou e ele desceu, deixando em Sanches Neto uma sensação alegre, pois

(...) Minha literatura podia ser lida no ônibus por um passageiro anônimo. Não tomava mais que vinte e poucos minutos da vida das pessoas e não dependia do trabalho promocional feito pelo autor. (...)Meses depois (...) vi o volume num canto da sala do editor, entre outros livros, todos mal-impressos. Não tinha saído matéria sobre ele e não iria sair. Mas aquele volume, abandonado como refugo, não passara pela vida em vão. Tinha tido um leitor. Um leitor anônimo e em trânsito. Estava plenamente justificado.

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Bem... Se eu precisava de incentivo para publicar mais uma das minhas obras de ficção... Este bastou, não bastou?

É assim, pessoas, que eu anuncio para daqui a alguns meses meu novo livro independente: O Jogo do Equilíbrio. De todos os textos que eu tinha para publicar, achei esse o mais interessante: uma novela no gênero fantasia, sem magos nem guerreiros, apenas um saltimbanco que batalha seu pão de cada dia com humor e criatividade. O lançamento está previsto para Novembro, quando haverá no Rio o próximo Paixão de Ler, e todos vocês estão convidados. Não faltem!

E agora... vamos à luta. A vida chama!

Abraços a todos,

Ana Lúcia

segunda-feira, maio 23, 2005

Livreiros de Calçada

Oi, Pessoas! Tudo bem?

Por aqui as coisas estão mais ou menos na mesma. Após dois dias chuvosos e nublados, o Sol voltou a dar (timidamente) as caras, e desde já estou torcendo para que o tempo continue firme no feriado, quando iremos para Angra dos Reis. E a greve dos órgãos subordinados ao Ministério da Cultura, como se sabe, também prossegue, sem previsão para voltarmos ao trabalho.

Confesso que tenho ido a poucas assembléias. Meu tempo é gasto com problemas domésticos (semana que vem, por exemplo, vão substituir uma parte do encanamento do meu condomínio, o que significa quebrar a parede do meu escritório - faço questão de estar presente!) -, com os cursos e a preparação do material que é usado neles, com a revisão de alguns contos e principalmente com leitura. Muita leitura, sem juízo de valor: todo tipo de livro, de ficção ou não, desde que me agrade. E alguns que se revelam um pouquinho chatos, também, mas que eu leio até o fim (sempre exercendo um dos mais sagrados direitos do leitor, que é o de pular páginas), porque sei que depois vou me desfazer do volume, e pelo menos quero saber como a história termina. Aliás, no momento estou com tantos livros em casa que adotei a estratégia de ler primeiro aqueles dos quais eu acho que vou abrir mão assim que terminar; às vezes eles me surpreendem e acabam ficando, mas as bolsas destinadas à Livraria Berinjela estão cada vez mais pesadas. E, como os livros que eu levo para lá não são vendidos, e sim trocados por outros... Bom, acho que isso é o que se pode chamar de Ciclo da Vida!

Hoje a dieta especialíssima desta "rata de biblioteca" foi acrescida em dois itens. Um deles é da área pedagógica, o outro é A Fantástica Volta ao Mundo, relato das viagens que o Zeca Camargo fez por conta do programa da Globo. Uma vista d'olhos deixou a impressão de que o livro é muito menos reflexivo e mais factual do que os de Airton Ortiz, e achei também que o visual, cheio de boxes e notas de pé de página, ficou meio carregado, ou poluído, como dizem meu cunhado e minha irmã, que são artistas gráficos. Mas deve ser um livro gostoso de ler, principalmente para os aficcionados de literatura de viagem. E, além de tudo, custou bem barato, porque é usado e foi comprado de um desses caras que vendem na rua.

Não sei se já contei para vocês, mas eu adoro esses vendedores de calçada. Onde quer que haja um, eu sempre paro, vejo o que ele tem para oferecer e, mesmo que não leve nada, sempre acabo puxando conversa. Meu favorito é o Adelmo, que faz ponto no Calçadão Cultural, na Rua Pedro Lessa (ao lado da Biblioteca Nacional), mas há outros muito bons no centro do Rio, sobretudo junto à estação Carioca do Metrô. Alguns deles foram entrevistados em uma matéria de jornal, O Globo se não me engano, e todos, sem exceção, desmentiram aquela velha idéia de que eles vendem livros assim como outras pessoas vendem bananas ou radinhos made in China. Um chegou a dizer que poderia ganhar mais se vendesse essas coisas, mas prefere trabalhar com livros, porque realmente gosta deles, ainda que tenha sido levado ao ramo por simples acaso. Outro (que eu julgo conhecer de vista, mas pela foto não posso ter certeza) disse que era analfabeto quando começou a vender livros, e que foi a partir daí que, aos 40 anos de idade, finalmente se sentiu motivado para aprender a ler. A essa altura eu, como provavelmente alguns de vocês agora, me perguntei se isso seria verdade ou se o vendedor exagerou um pouco os fatos, a fim de impressionar o repórter e garantir uma "vaga" na matéria. Mas em seguida me ocorreu outra pergunta, mais pertinente: que importância tem isso? Ficção ou não, é uma boa história... e capaz de inspirar bons pensamentos e boas ações, como deveriam ser os relatos de todas as vidas.

Já o vendedor de hoje, eu mal conheço. Seu "ponto" é aqui em Icaraí (o bairro de Niterói onde moro), e inclui não apenas um trecho de parede e calçada, mas a mala de um carro, em cujo assento ele fica lendo e fumando incessantemente nos intervalos entre um cliente e outro. Eu já havia comprado livros dele uma vez - uma História Ilustrada das Cruzadas e uma edição portuguesa de A Lei do Amor, de Laura Esquivel -, mas só hoje batemos um papo, alavancado pelo fato de eu estar examinando os livros da área de Educação. Ele perguntou se eu era professora e, quando eu lhe disse qual era a minha profissão, contou-me que também tinha estudado Biblioteconomia, lá em Volta Redonda.

Ué, mas a faculdade de lá tem graduação em Biblioteconomia?

Ah, não era faculdade não. Era um curso
, respondeu ele sem se enrolar; e, como para provar o que dizia, entrou a falar de como havia catalogado "toda a biblioteca daquela escola ali em frente". Falei do meu trabalho com manuscritos coloniais e ele afirmou, muito sério, que "o importante era fazer associações". E ainda perguntou se eu classifico usando aqueles números. Bom, faz tempo que não classifico nada, nem mesmo as histórias que as pessoas (eu inclusive) gostam de contar. Mas é claro que eu não disse isso, pois afinal nossa breve conversa acabou sendo muito agradável. E, além de conseguir os dois livros com um bom abatimento em relação ao preço inicial, ainda me despedi na invejável categoria de colega do ilustre senhor.

.......

Sem BN, talvez sem poder usar o micro de casa semana que vem (por causa da tal obra), ainda assim tentarei visitar os seus cantinhos. Não se esqueçam de mim!

Bom feriado!

Abraços a todos,

Ana Lúcia

segunda-feira, maio 16, 2005

Pé na Estrada com Airton Ortiz

Para que lugar do mundo você mandaria um amigo seu?

Para o Nepal, que é um país muito bacana.

E um inimigo?

O inimigo eu faria com que não viajasse. Faria com que ficasse em casa
.

Essa é uma amostra da filosofia e do estilo bem-humorado de Airton Ortiz, cujos livros Na estrada do Everest e Cruzando a última fronteira foram duas das melhores leituras que fiz nestes loooooooooongos dias de greve.

Como muitos de vocês já sabem, gosto muito de ler relatos de viagem, principalmente aquelas que têm como destino lugares considerados "exóticos" pela maioria de nós. Não precisa ser nenhum relato de pioneiro, de momentos dramáticos vividos por exploradores em mares ou montanhas. Aliás, até prefiro que não seja! Eu gosto mais daquelas narrativas de viagens feitas dentro do bom e velho espírito mochileiro, com o autor pegando carona na estrada, viajando em ônibus cheios de bodes e galinhas, experimentando as iguarias mais esquisitas e travando contato com pessoas bem diferentes das que costuma encontrar no seu dia-a-dia. Talvez seja o meu próprio espírito aventureiro, meio esquecido depois de vários anos de raízes plantadas, e agora um brotinho ainda muito tenro para cuidar. Ou talvez sejam as lembranças das minhas viagens, dos "perrengues" que eu e João já passamos, ficando sem teto em Minas Gerais, sem dinheiro em Roma, com o passaporte retido por um comissário de navio grego. Sei lá. Sei que, no caso dos relatos do Ortiz, também tem a ver com gostar de literatura, já que o autor gaúcho - que é ex-atleta profissional e jornalista, especializado em esportes radicais - escreve muito bem. Seu estilo é fluente, acessível, pontilhado aqui e ali por citações de outros amantes do inóspito (Thoreau, Jack London e outros mais) e, ainda, alguns rasgos de humor que me conquistaram como leitora. É o caso do encontro com dois outros viajantes, pai e filho, com quem ele tem de dividir um quarto em um albergue. Grandalhões e muito afáveis, os dois roncam a noite inteira como serrotes, e Airton Ortiz não hesita em encontrar um apelido perfeito para eles: o dos gigantes comilões (também pai e filho) de Rabelais, Gargântua e Pantagruel!

Esses dois livros que li tratam do Everest (as trilhas, não as escaladas) e dos territórios gelados do Alasca e de Yukon. Até onde sei, Ortiz escreveu mais duas obras, Pelos caminhos do Tibete e Aventura no topo da África, sobre uma expedição ao Kilimanjaro. Todos foram publicados na série Viagens Radicais da Editora Record. Informações sobre eles podem ser encontradas no site do autor , onde também estão os textos de Ortiz publicados na revista digital 360 graus. Como diria um outro esportista brasileiro... eu rrrecomeindo!

.....

Após a pausa para um copo d'água e um telefonema, reli o texto acima e fiquei feliz. Eu tinha pensado em falar sobre outras coisas: o valor ridículo que me propuseram para dar um curso, a ansiedade de esperar pela confirmação de outros, a greve que se prolonga por 44 dias, enfim, desabafos em geral. Mas quando comecei a falar de livros e de viagens entrei no embalo, e não só minha irritação se dissipou como acredito que tenha criado um texto bem mais agradável para vocês. Espero me lembrar disso sempre que sentar para escrever, pois afinal, se o que Pessoa disse é verdade - se o Sol doira sem Literatura - também é fato que, com ela, fica muito mais fácil enfrentar os dias cinzentos.

Abraços a todos,

Até a próxima!

Ana Lúcia

segunda-feira, maio 02, 2005

Eu, dos Contos de Fadas

Fui entrando devagarinho pelo portão gradeado, com a mochila no ombro, a capa de chuva escondendo os duendes na minha camiseta. No pátio, crianças brincavam de pique, e algumas delas se detiveram para me olhar, mas não por muito tempo. Era um lugar de constante entra-e-sai.

Posso ajudar, senhora? Um segurança.

Marquei com a Maria Lúcia.

Tudo bem. Passe na Recepção, por favor
, disse ele, apontando para o salão a cerca de 30 metros. Burocracia inevitável, mas até que eficaz: a sala da pessoa que eu procurava fica bem mais longe, e é melhor localizá-la primeiro, por telefone. De pé junto ao balcão, esperei alguns minutos até que a recepcionista acabasse de atender uma senhora e me olhasse com ar interrogativo.

Marquei com a Maria Lúcia, repeti. Sou a Ana Lúcia Merege.

Ah, sim... De onde?
, indagou ela, abrindo sem olhar uma página da agenda. Hesitei um segundo entre dizer "da Biblioteca Nacional" - que é o mais correto, mas que, naquele contexto, não faria muito sentido - ou "da Semana Literária", o que estava de acordo com o momento, mas podia se aplicar a diversas pessoas, esperadas para aquele dia e os subseqüentes. Então, eu tinha que me atribuir uma identidade inconfundível... e, nesse espírito, respirei fundo e mandei:

Ana Lúcia Merege, dos Contos de Fadas.

.......

Isso foi num colégio aqui de Niterói, ao qual me chamaram para bater um "papo de autor" com crianças da terceira e da quarta séries. Eu, meio apreensiva com o que ia acontecer, afinal iam ser quatro turmas por vez - mais de cem figurinhas - e não só eles não conheciam meus livros como estes, também, não são adequados a essa faixa etária, com possíveis (e raras) exceções. E eu saí da Escola Normal com a pecha de incapaz de manter o controle de classe. Caramba... Como eu ia me arranjar?

Mas tudo correu tão bem que até agora estou em estado de graça. Embora estivéssemos num auditório, sem chance de sentar em círculo e ficar mais próximos uns dos outros, não me colocaram numa posição inacessível, mas sim com um microfone sem fio, circulando no meio do pessoal. O tema do qual me pediram para falar, além dos meus livros - contos de fadas, é claro, destacando um pouco a figura de Andersen - não só é um dos meus preferidos mas permite criar muitas pontes com o pessoal mais novo. Especialmente a que usei para quebrar o gelo:

OK, então eu soube que vocês estão estudando contos de fadas... O que é um conto de fadas, afinal?

Silêncio, risadinhas, o teste de sempre, mas também mãos levantadas. Sussurros, aqui e ali. E logo - graças! - as primeiras vozes.

Tia! Tia! Ë uma história que tem fadas e bruxas!

É uma história inventada!

É uma história que tem magia!

Ah, é isso?
A deixa que eu esperava. Ah, então Harry Potter é conto de fadas? Tem magia...

Nãããão!

OK. Yu-Yu Hakusho, então.

Não!

Tia! Você vê isso?

Conto de fadas é uma história mais antiga. É do passado
, disse a inevitável gorduchinha de óculos. Oh, doce espelho da minha juventude!

Muito bem! Mas vocês sabem como, realmente, é antiga? Os contos de fadas existem há milênios, disse eu, fazendo aquele ar misterioso. E daí para a frente foi só desenrolar o novelo.

Ouso dizer que deu para falar de tudo: as mesmas coisas que falo para as pessoas que fazem meus cursos. Com outras palavras, é claro, e produzindo um sentido diferente, mas com a mesma essência. As crianças eram surpreendentemente perceptivas, quase todas muito espontâneas, e algumas das perguntas que fizeram foram uma grata oportunidade de partilhar um pouco do que sei e do que sou. Qual é meu livro preferido? Quem são meus escritores prediletos? Quem são meus escritores brasileiros prediletos? O que vou publicar agora? Eu incentivaria minha filha a escrever? Gostaria que um livro meu virasse novela? Escreveria um livro de Culinária?

Tá louco! Eu detesto cozinhar!, exclamei, sem deixar de sorrir. A pergunta não tinha um porquê, mas foi a única que ocorreu ao menino, e ele tinha que
fazer uma pergunta. Eu, que mais do que tudo receava o silêncio, encontrara um grupo ávido e generoso de interlocutores. E saí gratificada no final.

.......

Essa experiência não me sai da cabeça enquanto reviso minhas apostilas sobre leitura e bibliotecas escolares. Quando comecei a dar esse curso, a ênfase era no aspecto organizacional, e hoje é cada vez mais nas atividades de dinamização da leitura. Quase vinte anos depois, o círculo vai-se completando, e eu, que "fugi" da faculdade de Letras - e sobretudo da sala de aula - me vejo de volta, ansiosa por readquirir alguma prática.

Ou talvez não seja um círculo, mas uma espiral, e a menina que jamais soube "controlar uma classe" como professora retoma sua vocação sob o novo prisma de mediadora de leitura e contadora de histórias. Quem sabe?

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Abraços pra vocês,

Até a próxima!

Ana Lúcia

terça-feira, abril 19, 2005

Dia do Índio, Centro do Rio

Oi, Pessoas. Como estão vocês?

Eu estou meio para o reflexivo, talvez um pouco mais ácida que de costume. Hoje é Dia do Índio, e todas as crianças (que estudam) vão voltar para casa com cocares de papelão e os rostos pintados. Da minha parte já contribuí comprando paçocas para o "lanche com comida indígena" e ajudando a Luciana a recortar figurinhas de revistas. Estas foram colocadas num mural onde, além das imagens, podem-se ler frases que dizem que os índios foram os primeiros habitantes do Brasil, que viviam em ocas e dormiam em redes e que viviam em harmonia com a Natureza.

As crianças são pequenas demais para entender a desarmonia que veio em seguida.

Eles eram cerca de 100 milhões no continente, 5 milhões no Brasil. As etnias e idiomas estavam na casa dos milhares. Se viviam ou não harmonicamente, não vem ao caso: viviam. E com toda a dignidade que era então possível.

Hoje, no Brasil, restam apenas 400 mil índios, cerca de 200 etnias e 170 línguas. Alguns vivem em reservas demarcadas, onde, mesmo assim, alguns grupos sofrem ataques e privações. Recentemente houve mortes por desnutrição. Boa parte dos grupos vive em permanente conflito com madeireiros e demais exploradores das reservas naturais; outros vivem se escondendo em pontos cada vez mais inacessíveis da floresta. Nunca me esqueço de uma dupla com quem foi feito contato há alguns anos: seus adereços eram feitos de sucata, eles tinham colares e pulseiras fabricados com garrafas de plástico PET. Mas os dois, um homem e uma mulher sobreviventes de um massacre, jamais haviam chegado perto o bastante para sequer serem vistos.

As ações do Governo e de outras organizações em relação aos índios variam em sentido e objetivo, mesmo as bem-intencionadas. Enquanto, por um lado, se investe no resgate de tradições e de línguas quase esquecidas, procurando integrar os indígenas à sociedade (por assim dizer) globalizada sem que sua cultura seja esquecida, por outro sertanistas como Sidney Possuelo afirmam estar convencidos de que a melhor forma de preservar a cultura e a própria vida dos índios ainda isolados - cerca de 55 grupos, segundo a estimativa da FUNAI - é permitir que eles continuem sem contato com o restante da sociedade nacional, ou seja, com a gente. Só assim eles poderão, pelo menos durante algum tempo, escapar de um outro tipo de isolamento, bem mais terrível: o da tribo de excluídos, multicor e multiétnica, que anda aos tropeções pelas ruas das grandes cidades.

.......

A TRIBO

Passei no Passeio
pelo meio
da tribo.
A tribo movente,
sem sorte,
sem dente.
A tribo sem eira nem beira.
Dos meninos velhos
que fumam e cheiram
e chupam os dedos.
Das meninas de filho no bucho
e bicho no pé.
A tribo que lava na chuva
e dorme na grama,
sem choro nem chibé.
A tribo sem pajé.
Sem fogueira no escuro.
Sem memória,
sem história,
sem futuro.
A tribo sem rango e sem oca
do Largo da Carioca.

.......

E a greve prossegue. Talvez por isso, tanto tempo para pensar e escrever bobagens.

Abraços a todos,

Ana Lúcia

terça-feira, abril 05, 2005

Hans Christian Andersen : em Honra ao Bicentenário

Oi, Pessoas! Tudo bem?

Acabo de voltar da palestra/lançamento do meu livro. O público foi reduzido, porém seletíssimo, contando com a presença da Ana Lígia Medeiros (diretora da Biblioteca Estadual Celso Kelly, do Rio); da Glória Blauth (idem, da Estadual de Niterói); da terapeuta corporal Norma Lannes; da Mônica Mansur, coordenadora do curso de Letras da Universidade Salgado de Oliveira; do meu querido amigo Zaga e do Leonardo Melo, que tanta força já me deu no seu site, o Solavanco . Isso, é claro, além da diretora Regina e do pessoal da Biblioteca Estadual Infantil Anísio Teixeira, sempre pronto a acolher as minhas "coiotadas". A vocês todos, amigos e amigas, muito obrigada, de coração!

A palestra fluiu bem (era mais um bate-papo entre amigos), mas, como sempre, eu não consegui encaixar num curto espaço de tempo tudo aquilo que tinha a dizer. Desta vez, acabou faltando justamente aquilo que eu tinha me preparado para falar: a parte que trata de Hans Christian Andersen, um dos maiores nomes do conto de fadas, cujo segundo centenário de nascimento foi comemorado no dia 2 de abril. Assim, o que ficou por ser dito fica registrado aqui... Espero que vocês gostem!

.......

HANS CHRISTIAN ANDERSEN

Três nomes (que na verdade são quatro) nos vêm imediatamente à cabeça quando o assunto é conto de fadas. O de Charles Perrault, cujas Histórias da Mamãe Gansa foram um grande divisor de águas na literatura do gênero; o dos Irmãos Grimm, Jakob e Wilhelm, compiladores e divulgadores do folclore germânico; por fim, o de Hans Christian Andersen, cujas narrativas, impregnadas de emoção e lirismo, se distinguem por seu caráter autoral e muitas vezes autobiográfico.

A humildade e a tragicidade dos personagens de Andersen encontram ecos na trajetória do autor. Nascido em 1805 nos subúrbios de Odense, Dinamarca, filho de um sapateiro e de uma lavadeira, Andersen foi uma criança frágil, dotada de imaginação vívida e de uma sensibilidade que o acompanharia durante toda a sua vida. Nas autobiografias que escreveu em 1832 e 1846, ele relata sua infância pobre, falando sobre o prazer que encontrava confeccionando bonecas e fantoches e o sonho de se tornar um cantor, o qual o levaria, aos 14 anos, a embarcar rumo a Copenhagen para tentar iniciar uma carreira. Foi lá, três anos depois, que ele começou a escrever peças teatrais (todas rejeitadas por críticos e produtores) e teve a chance de receber alguma educação formal, quando Jonas Collin, um dos diretores do Teatro Real, fez dele seu protegido e o enviou a um colégio e depois à universidade. Seu padrão de vida melhorou bastante depois disso, mas Andersen jamais deixou de se queixar dos sofrimentos de sua vida pessoal, desde as constantes dores de dentes (que parecem tê-lo perseguido ao longo de toda a adolescência e idade adulta) até a incompreensão de que julgava ser vítima por parte de seus pares.

As primeiras publicações de Andersen foram um relato de viagem e alguns poemas esparsos, além da autobiografia romanceada A História de Minha Vida. Depois disso, ele se voltou para os contos, publicando, em 1935, um opúsculo que intitulou Contos Contados para Crianças e que continha, entre histórias menos conhecidas, a deliciosa A Princesa e a Ervilha. Tal como os Grimm, Andersen foi censurado pelo seu estilo, julgado demasiadamente coloquial para a época, e pela moral de alguns contos, que seriam inadequados para crianças; no entanto, o público infantil parecia adorar tanto as histórias como seu autor, e, ao ser aplaudido em locais como Londres e Weimar, Andersen se assegurou de que estava no caminho certo. Embora continuasse a escrever para adultos - uma das novelas mais conhecidas é O Improvisador, cuja ação decorre na Itália - ele publicou uma série de livros infantis, que eram lançados a cada ano perto do Natal e que incluíam tanto contos populares, ouvidos por Andersen quando criança, quanto obras autorais. A Sereiazinha, Os Sapatos Vermelhos, A Nova Roupa do Imperador, O Patinho Feio e O Rouxinol do Imperador da China são apenas alguns dos títulos que saíram de sua pena e que angariaram fama e reconhecimento para o autor.

Várias características separam os contos de Andersen da obra de Perrault ou dos Irmãos Grimm. Em primeiro lugar, ao contrário do francês e dos alemães, o dinamarquês não apenas deu uma forma ao material já existente na tradição oral e literária, mas criou suas próprias histórias; só uma minoria delas tem raízes na tradição folclórica, como parece ser o caso de O Isqueiro Mágico. Além disso, os personagens de contos de fadas costumam ser arquetípicos, dotados de uma personalidade que pouco varia de acordo com a história, ao passo que os de Andersen são complexos, refletindo as ansiedades, as contradições e as fantasias do autor, de quem, muitas vezes, funcionam como alter ego. O Patinho Feio, por exemplo, traduz a inadequação social e o desejo de reconhecimento de Andersen (um tema também presente em O Improvisador e recorrente em sua obra), enquanto o sofrimento da Karen de Os Sapatos Vermelhos, da Pequena Vendedora de Fósforos e da Sereiazinha seria, para alguns críticos, a expressão do princípio cristão de transcender a dor e renunciar às recompensas terrenas para buscar as de um outro mundo. De qualquer forma, seja naqueles contos cujo final se pode dizer infeliz, seja naqueles onde a jornada do herói ou heroína conduz à superação do obstáculo e ao sucesso, o Bem sempre acaba por triunfar contra o Mal e a adversidade, reforçando os valores éticos e morais que o próprio Andersen afirmava ser seu desejo sublinhar nas histórias.

Assim como eu, que me recuso a narrar, seja para que platéia for, A Pequena Vendedora de Fósforos (seguramente a história que, até hoje, mais me fez chorar), a consagrada escritora de fantasia e ficção científica, Úrsula K. Le Guin, declarou que "detestava as histórias de Andersen com final infeliz", mas que não conseguia deixar de retornar a elas ou pelo menos de lembrá-las. Talvez a possibilidade de redenção oferecida por esses finais seja o que atrai os leitores; ou talvez esse fascínio se deva ao estilo de Andersen, essencialmente romântico, mas ao mesmo tempo dotado de uma cor e de uma vivacidade especiais. Seja como for, ao falecer, em sua casa, em 1875, o menino pobre de Odense havia percorrido um caminho tão espetacular quanto o de seus personagens, e deixado um valioso legado: as suas histórias, sonhos tornados em palavras, que vêm povoando a mente e o coração de crianças e adultos ao longo de gerações.

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Texto baseado neste site e no livro Contos de Fadas: edição comentada e ilustrada, que tem edição, introdução e notas de Maria Tatar (Jorge Zahar, 2004).

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Bons sonhos pra vocês,

Até a próxima!

Ana Lúcia

P. S. Como alguns já devem saber, estou novamente em greve na Biblioteca Nacional e dependendo de lan houses para comentar em seus blogs. Tenham paciência comigo!

quarta-feira, março 30, 2005

A História da Baratinha: Contando e Acrescentando um Ponto

Oi, Pessoas! Tudo bem?

Espero que tenham todos tido uma boa Páscoa, pagã, judaica ou cristã. Com muitos ovos de chocolate, em qualquer caso...! ;)

Para a Luciana, ao contrário do que se esperava, o Coelhinho não trouxe um ovo da “Hello Kitty”, mas sim o das “Meninas Superpoderosas”, compra resultante de uma combinação da dificuldade de achar o outro ovo nas lojas e a falta de tempo e disposição da mãe para ampliar seu raio de pesquisas. Felizmente, Lulu é uma menina muito esperta (ou talvez ainda muito novinha para fazer certas exigências) e adorou o “Superpoderosas”, nem tanto pelo chocolate – pois ela realmente não é daquelas que abusam de doces, até porque eu não deixaria – mas pelo presentinho que veio dentro, um relógio fake, em forma de coração, com um adesivo das três meninas em cima e acompanhado por minúsculas “tattoos para unhas”. Pessoalmente, eu preferiria que o ovo viesse recheado com bombons, mas... quem sou eu para dizer tais coisas, quando a pequenininha ficou tão feliz?

E felizes, também, ficamos nós, com a forma como transcorreu nossa viagem no feriado. Fomos para Angra dos Reis, a duas horas e meia do Rio, onde, além dos passeios de escuna – que conduzem a praias mais distantes na própria Angra e na Ilha Grande – tínhamos à nossa disposição uma praia de águas bem calminhas, a dez passos da entrada da pousada. Luciana, que nunca tinha concordado sequer em molhar os pés no mar, dessa vez entrou para valer, e se divertiu muito com a amiguinha que conheceu no passeio, a lisboeta Daniela Sofia. As duas se entenderam muito bem, apesar dos sotaques diferentes, e, enquanto elas brincavam, nós ficávamos conversando com os pais e as avós da Daniela, falando de crianças e de viagens e de como está Portugal hoje em dia. Vocês sabem, nós vivemos lá durante dois anos e meio (João, durante três anos), e, embora não estejamos arrependidos da nossa decisão de regressar ao Brasil, temos saudades dos lugares que visitamos, de amigos e de alguns aspectos do nosso antigo estilo de vida. É claro que pretendemos voltar, um dia, quando a Luciana estiver um pouco mais velha, mas sabemos que nada será como antes. E realmente não tinha por que ser... Mas a nostalgia, um sentimento aliás muito lusitano, é inevitável em certos momentos.

Por falar em nostalgia, o curso que eu estava dando na Casa da Leitura terminou na segunda-feira, e, como o tema “contadores de histórias” viesse à baila, fiquei muito comovida me lembrando do Gregório. Para quem não o conhece, ele (Francisco Gregório da Silva) é um dos fundadores do PROLER e grande promotor da leitura e do resgate da tradição narrativa. Atualmente, pelo que eu soube, ele está no Acre, seu estado natal, mas parece que vai voltar, e certamente retomará os cursos para contadores, como aquele que eu fiz em 1999 no Paço Imperial.

Pois bem, neste meu último curso havia outras pessoas que o conheciam e trabalharam com ele, e todo mundo se lembrava do conto popular que o Gregório dizia ser o seu favorito, a História da Baratinha. Pelo meu lado, confesso que nunca fui muito fã desse conto, mas talvez isso mude, porque agora tenho uma história pessoal para contar a respeito. É claro que ela envolve a Luciana... e, é claro, antes de reencontrar o Gregório e poder contar a ele, vou contar aqui para vocês.

(Parto do pressuposto que todos conhecem a História da Baratinha, mas quem não se lembra pode dar uma refrescada na memória clicando aqui . Feito? OK, vamos em frente!)

A primeira versão que eu contei para a Luciana foi um pouco edulcorada, pois é aquela em que o Rato, ao cair na panela de feijoada, não morre cozido, e sim sai todo pelado, sujo e cheio de queimaduras. A Baratinha, então, diz que não vai casar com um noivo tão guloso e sem juízo, e volta para cantar sua cançãozinha à janela enquanto o Rato vai se tratar no hospital. Final sóbrio, sem happy end, mas também sem detalhes sangrentos (ou bem-passados, como queiram). Bom, a Luciana ouviu tudo com atenção e depois declarou:

- O Tio Alex (professor de Artes na creche) contou essa história, mas o Rato morria no fim.

- Ah, é? E como você prefere a história: que ele morra ou não?

- Que morra.

- OK – disse eu, anotando mentalmente a preferência para a próxima vez em que contasse a história, e que – como todos os pais de crianças pequenas sabem – não tardaria mais do que um dia ou dois.

Na verdade, foram apenas algumas horas.

- Conta de novo a História da Baratinha?

- Tudo bem – respondi, e comecei a contar... até a parte em que o Rato cai na feijoada, onde Lulu me interrompeu e pediu que ele não morresse. Estava estabelecida a versão mais light do conto popular, que desde então foi repetido à exaustão, com a colaboração sempre animada da Luciana na hora de cantar as músicas.

E até esta última viagem ficamos nisso. Mas agora finalmente ela acrescentou seu ponto. Pois quando tornei a contar a história, quando cantamos o “Quem Quer Casar...” pós-matrimônio fracassado, Luciana comentou:

- Mamãe, aí a Baratinha achou um Baratinho e casou com ele.

- É, acho que sim.

- E o Ratão saiu do hospital e achou uma Ratinha...

- E casou com ela também, não foi?

- Foi – respondeu Luciana, para em seguida acrescentar, com os olhinhos brilhando:

- Mas não teve feijoada.

.......

Gente... Corujices à parte, vocês hão de concordar comigo... Essa garotinha promete!!!

Abraços a todos,

Até a próxima!

Ana Lúcia

segunda-feira, março 21, 2005

A Páscoa: Origens e Mitos





Oi, Pessoas! Tudo bem?

O post de hoje é um daqueles “históricos e informativos”, mas, seguindo o espírito dos últimos tempos, não resisto a usar um “causo” doméstico como introdução. Ocorre que, na sexta-feira passada, Luciana chegou da creche com uma linda Carta ao Coelhinho da Páscoa, que consistia em um papel dobrado, pintado de azul, tendo na frente o título escrito por uma das professoras e na parte interna a informação:

Gostaria de ganhar este ovinho:

E logo embaixo, colada pela Luciana, a ilustração recortada de um anúncio das Lojas Americanas - ou coisa que o valha - mostrando o ovo de Páscoa escolhido por ela: o da “Hello Kitty”, de 200 gramas, fabricado pela Lacta. Agora, a expectativa é de receber exatamente esse... e, como ela só tem 4 anos e é um verdadeiro doce de coco, eu, que pensava em dar um ovinho “simbólico” acompanhado de um coelhinho de pelúcia ou coisa assim (pois nossa despensa está cheia de chocolate que sobrou de viagens e do Natal), vejo-me agora meio que constrangida a comprar o Hello Kitty. O que fazer... né?

Mas isso tudo me fez pensar um pouco sobre o significado da festa, que anda meio esquecido, assim como acontece com o Natal e o Halloween. Por isso, tal como fiz para as duas outras datas, vou colocar aqui algumas informações sobre a Páscoa, começando por aquela que todos já devem conhecer: as raízes dessa celebração não são apenas cristãs.

Com efeito, a Páscoa, tal como a celebramos no Ocidente, é o resultado de uma fusão de comemorações pagãs (de origens diversas) e de tradições judaicas, sendo a festa cristã derivada principalmente destas últimas. No que toca aos pagãos, a maior parte das civilizações na área do Mediterrâneo tinha algum tipo de comemoração relativa ao Equinócio de Primavera, época associada à fertilidade dos campos e presidida, em geral, por deidades do sexo feminino. Várias Deusas são relacionadas a esse período, como a Deméter grega e a Ishtar babilônica, sendo o nome em Inglês da Páscoa - Easter - provavelmente derivado do nome da Deusa-Mãe dos saxões, Eostre, ou ainda da germânica Ostara.

Ao mesmo tempo, Deuses associados à renovação, tais como Osíris (no Egito) e Dionísio (na Grécia) eram festejados nessa época, sendo comuns os dramas sagrados em que um homem, muitas vezes o chefe ou rei local, era – simbolicamente ou não – sacrificado em prol de uma colheita farta. Em Roma, por volta do ano 200 antes de nossa era, o Deus aparece com o nome de Attis, consorte de Cybele (uma Deusa “importada” da Frígia), que teria nascido de uma virgem e que todos os anos devia “morrer” em uma festa que durava de 22 a 25 de Março, sempre iniciada numa sexta-feira. O último dia celebrava a ressurreição do Deus... exatamente como ocorre com Jesus na comemoração cristã. Ambos os ritos estavam ativos na mesma época e na mesma região geográfica, o que leva a crer que tenha havido uma interpenetração entre eles. A maior parte dos cristãos atuais, porém, desconhece a existência do culto de Attis, enquanto os seguidores das tradições pagãs têm o Equinócio de Primavera como uma das suas oito festas principais. A celebração inclui quase sempre uma fogueira, sobre cujas cinzas é costume pular para assegurar o equilíbrio das noites e dos dias e a fertilidade das colheitas.

Por outro lado, a tradição cristã da Páscoa está relacionada à morte e à ressurreição de Jesus, que, como outros Deuses e Heróis de inúmeras mitologias, ascende aos Céus depois de ter conhecido o Mundo Inferior. A data é ainda associada à celebração judaica da Passagem, descrita no Êxodo, na qual um Anjo da Morte passou sobre as residências dos hebreus – que estavam marcadas com o sangue de um sacrifício animal – e as dos egípcios, que não tinham marcas, e onde morreram os filhos mais velhos de todas as famílias. Os hebreus, enquanto isso, comiam pão ázimo (sem fermento) e se preparavam para deixar o Egito, sob a liderança de Moisés.

Ambos os episódios estão imbuídos do simbolismo do reinício, do recomeço, e são festas importantes para judeus e cristãos, sendo que os primeiros em geral atribuem mais importância à comemoração da Passagem (Pessach) do que os cristãos à Páscoa. Ainda assim, esta é celebrada com missas e ritos que lembram tanto o episódio do Antigo quanto do Novo Testamento. Eu me lembro de um canto, particularmente sinistro, que ouvi numa missa de Páscoa aos 8 anos de idade, no qual se recordava a passagem do Mar Vermelho:

Carros e homens nas águas perecem...

E a vozinha indignada da Ana Lúcia lá num dos últimos bancos (algo que toda a família Merege, até hoje, gosta de recordar):

- Não pode! Que horror! Coitadinhos dos egípcios!!

Hehehe... Pois é... Senso de justiça começa cedo!

Mas, na verdade, nesse tempo eu não sabia nada sobre os pagãos e as comemorações pascais que não fossem judaico-cristãs. Só sabia um pouco sobre o simbolismo dos ovos da Páscoa (que já eram trocados pelos persas em suas comemorações da Primavera) e dos coelhos, que simbolizam a fertilidade, não preciso dizer o porquê. A associação de uns com outros se encontra num mito anglo-saxão em que Ostara, desejando alegrar algumas crianças, transformou seus pássaros de estimação em coelhos que, daí por diante, puseram ovos coloridos... que não eram da Hello Kitty, mas que, naqueles tempos menos consumistas, teriam deixado contentes as pequenas Lucianas pagãs.

Bom... mas há que ser realista, de qualquer modo... E, seja como for, acho que teremos uma Páscoa feliz!

Desejando o mesmo a todos,

Até a próxima!

Abraços,

Ana Lúcia